Lucros bilionários, assédio e especulação política: Uma rápida visão sobre o mercado de videogames games
O mercado de videogames (ou jogos eletrônicos em português) foi um dos que mais cresceu na segunda década do século XXI. Para se ter uma ideia, de acordo com a empresa de análise de dados Newzoo, o faturamento mundial desta área do entretenimento, que em 2012 faturou US$72 bilhões, teve um aumento de 250% em 9 anos. Em 2021 o valor arrecadado foi de US$175 bilhões, um crescimento de 11% médio por ano.
Apesar da projeção que 2023 encerrou seu ano fiscal com receita de US$187 bilhões (os valores são estimativas pois algumas empresas da área não divulgam seus dados), segundo o site Valor Econômico, o ano é marcado como sendo o com maior quantidade de demissões da indústria em todos os tempos. De acordo com o site Terra, ao menos 10 mil pessoas perderam seus empregos neste setor mundialmente. Só a Microsoft, gigante da área de softwares, crescente investidora na área de jogos eletrônicos ao longo dos anos, demitiu aproximadamente mil e novecentos funcionários.
Como são produzidos os jogos eletrônicos?
É importante lembrar que os jogos eletrônicos são considerados arte criada pela indústria cultural, assim como as histórias em quadrinhos e o cinema. Com demandas muito parecidas com as do mercado cinematográfico, mas com suas particularidades. Jeannie Novak, autora de Game Development Essentials: An Introduction (Desenvolvimento de Games – Ed. Cengage), com mais de 20 anos de publicações e trabalhos de desenvolvimento na área, divide em oito estágio o desenvolvimento de jogos:
Conceito, pré-produção e planejamento, protótipo são as etapas de criação da história, roteiro e mecânicas do jogo. produção, é o ponto que as máquinas são ligadas e o jogo começa a tomar sua forma. Alfa, beta, são estágios finais do produto em estado de “jogável”. Aqui ele entra em período de testes de funcionamento para retoques finais e teste de stress de servidores. Tudo isso para receber o selo de gold (pronto para comercialização).
A pós-produção é quando o produto já está no mercado. Nesse momento, ele pode receber atualizações que melhoram a qualidade jogabilidade. Além disso, alguns jogos trabalham o fator continuidade, que adiciona novos conteúdos ao jogo, de forma gratuita ou paga. Isso depende de cada desenvolvedora (tipo de empresa responsável pela produção de jogos eletrônicos).
Trabalho humano
Essa breve explicação das etapas de desenvolvimento revela o que é mais importante: o trabalho humano. Para que todo esse processo aconteça, existe um grande número de trabalhadores envolvidos: produtores, roteiristas, designers, desenvolvedores, programadores e animadores, entre outros, como destaca Persís Duaik, responsável pelo desenvolvimento de negócios da Duaik Entretenimentos, desenvolvedora de jogos brasileira ao canal XBOX BR no ano de 2019: “(…)você precisa de jurídico, você precisa de financeiro, você precisa de um administrativo, você precisa de um marketing, você precisa de comunicação, você precisa de relações-públicas, você precisa de alguém de portabilidade, você precisa de uma série de programadores de sistema (..)”.
E o Brasil, como está? Um olhar cauteloso
O mercado brasileiro é o décimo maior consumidor mundial e o maior da América Latina. A receita brasileira gerada em 2023, com dados da Newzoo, é de 2,6 bilhões de dólares (aproximadamente 12,66 bilhões de reais). No mesmo período, como indústria, apesar da grande criação de estúdios de desenvolvimento nos últimos anos (um aumento de 167% entre 2018 e 2022), o faturamento chegou a 1 bilhão de reais. Para efeito de comparação, a China, parceira comercial brasileira nos BRICS+, fechou o último ano com receita de 303 bilhões de yuans (US$46 bilhões de dólares).
Algumas das informações apresentadas neste artigo, foram coletadas no ano de 2022 por cerca de 30 brasileiros, profissionais da área a pedido do Instituto Lula. Essa união criou uma cartilha batizada de Lula Play, criada com o objetivo de ser anexada ao plano de governo do atual presidente eleito. Esse documento contém, segundo trecho do próprio: “(…)considerações sobre o cenário deste setor da indústria criativa com a sua importância estratégica para a nação e os eixos que norteiam ações elencadas por representantes do setor de games.(pg. 7 e 8)”. Em seis de Maio de 2021, o projeto de lei (2.796/21) do deputado federal Kim Kataguri (União-SP) foi publicado no Diário Oficial da União. O irônico é que entre as propostas do agora chamado Marco Legal dos Jogos está a incentivação de investimento federal dos jogos através da lei Rouanet, essa muito criticada pelo deputado durante seu período militando pelo MBL.
E as relações trabalhistas na “indústria” dos Jogos?
Historicamente, essa “indústria” de jogos eletrônicos não difere das relações capitalistas de produção com exploração, alienação e apropriação privada dos lucros. Além das crescentes ondas de demissões, os trabalhadores e trabalhadoras denunciam jornadas de trabalho exaustivas – por sua intensidade e longa duração –, com baixos salários, pressão para a entrega e assédios morais e sexuais. Em 2023, a Activision Blizzard, foi sentenciada a pagar 54 milhões de dólares de indenização para casos de assédio na empresa. Isso após dois anos de processo e um acordo intermediado pelo Departamento de Direitos Civis da Califórnia, nos EUA.
Os trabalhadores do setor estão “descobrindo” que precisam se organizar enquanto classe trabalhadora em luta contra os patrões, em organizações sindicais, como forma de combate aos excessos da indústria capitalista de jogos. Segundo matéria do site Olhar Digital, em dezembro de 2022 os funcionários da Zenimax Studios, uma das muitas empresas que compõem a divisão de jogos eletrônicos da Microsoft, criaram um sindicato para defender os interesses de seus trabalhadores. No mesmo texto é informado que não só este sindicato como vários outros que estão sendo criados, serão representados pela CWA (Comunications Workers of America). Maior sindicato relacionado a comunicação e mídia dos Estados Unidos.
João de Aquino