“O Trabalhador precisa lutar sempre!”
Entrevista com a presidenta do Sindicato dos Comerciários de Brasília-DF Geralda Godinho
INV - Fale um pouco da sua infância
GGS - Não passávamos fome, porque minha mãe trazia restos do restaurante, Trabalhei de empregada doméstica e babá. Fui trabalhar no Comércio e já questionava muita coisa. Quando inaugurou o Parque Shopping fui trabalhar lá, entre 1982 e 1983. Em 1985, houve uma greve, eu trabalhava em frente de caixa, fui no sindicato reclamar e passei a flertar com o movimento. Ficamos 15 dias em greve, trabalhava na Sandiz, me filiei ao sindicato, fui delegada sindical. Deram justa causa pra gente, cerca de 200 pessoas, fomos fazer manifestação na primeira loja que era a matriz, Em 1987 houve eleição do sindicato, a minha chapa perdeu, mas estou no movimento desde essa época.
INV - Como foi chegar a direção do Sindicato?
GGS - Passei por muitas coisas, quando participei da eleição meu patrão me ofereceu um cargo pra ser gerente na loja de Brasilândia, ele nunca tinha me oferecido nada, eu era vendedora, ai só porque entrei no sindicato ele veio me oferecer, me assediava, sofri muito quanto a isso, fui pra dentro de um sindicato que não sabia o que ia ser da minha vida, abrir mão de uma carreira militar, hoje até acho bom ter desistido vendo no que se tornou a policia, acertei sem saber. O desafio foi muito grande, porque até no movimento sindical fui assediada. Fui prejudicada de várias formas, sofri perseguição. Fui buscando meu espaço, até que cheguei na vice-presidência do sindicato. Não foi fácil, minha consciência está tranquila, não fiz nada de errado que manchasse minha postura, se hoje é difícil para a mulher, naquela época era muito mais. Percebia que quem mandava era o presidente, eu tinha as ideias para conduzir, mas na minha posição não conseguiria, então, tinha que chegar à presidência, lutei, competi com várias pessoas, fui ser coordenadora da base e lá fiz minha militância.
INV - Teve que se dura para se firmar.
GGS - Sempre fui perseverante, quando quero alguma coisa vou em frente, e quanto mais tentam dificultar mais insisto. Certa vez fui candidata, tive que fazer um curso para aprender a sorrir, era dura, mas foi minha vida difícil que fez com que eu ficasse assim. Porque ia pra reunião, e só tinha homem, então tinha que fechar a cara, falar grosso, se não ninguém te olhava e nem te respeitava, empresário, patrão, advogado, no movimento sindical tudo homem. Agora que as coisas estão mudando, a própria CUT está colocando a questão das cotas, nas mesas de reuniões começamos encontrar mulheres, advogadas, empresárias etc., mas até os anos 90 quase não víamos. Penso que se eu fosse negra seria mais difícil.
INV - Faça um balanço dos primeiros anos à frente do sindicato dos comerciários.
GGS - O sindicato é essencial para a vida dos trabalhadores, não é a toa que os patrões vivem querendo acabar com ele, o problema é que o próprio trabalhador não dá o valor devido, tem uns que se iludem, o rico tem carro, poder e nós temos o que? Outros têm medo, e realmente é muito difícil, hoje está menos com a abertura pós-ditadura militar. Mas agora com o apoio da mídia burguesa tentam nos colocar como corruptos, teve a prisão do Lula, o golpe na Dilma, foi uma forma de tentar acabar conosco. Com a luta o movimento sindical conquistou uma porção de coisas, eu, por exemplo, agora estou em uma comissão da CTPP, que discute regulamentação da NR, questão de periculosidade, insalubridade, o movimento sindical é imensurável, o trabalhador precisa dar valor, um dia chegaremos lá.
INV - Fala dos desafios de hoje a frente do sindicato
GGS - Com mais de 100 mil trabalhadores na base, uns 60 mil filiados, o problema é a rotatividade, no supermercado você filia, quando retorna pra levar a carteirinha o trabalhador não está mais lá. Essa rotatividade piorou com a pandemia, muitos trabalhadores foram demitidos, com a reforma trabalhista veio a SPJ – Empresas jurídicas, que são chamadas de empreendedorismo, que a mídia fala tanto, põe na cabeça do trabalhador que ele é um empreendedor, até o motoboy é um empreendedor, ele não tem férias, 13º, descanso nenhum, na nossa categoria tem esses casos também. Agora dois anos depois da reforma as pessoas estão vendo o quanto perderam, inclusive, as empresas, porque elas podem até ter baixado seu custo mas a qualidade se perdeu. Que compromisso a pessoa vai ter com a empresa se ele é PJ?
INV - A SPJ piora a situação dos trabalhadores na área do comércio?
GGS - Sim, a terceirização é uma empresa que cria várias outras que presta serviço. Já era ruim de mobilizar a categoria pra falar a mesma linguagem, mas pior do que isso é quando você se desvincula das empresas, coloca na cabeça do trabalhador que ele não é trabalhador. Dessa forma, ele fica iludido que é empresário, ainda tem coisa pior que é comprar online, porque você não sabe para onde seu dinheiro está indo, se é para outro país, e não fica aqui abastecendo a economia , gerando emprego, elimina o vendedor, o que limpa o chão, o motorista, o cara que está dentro do shopping, não precisamos pegar ônibus, milhares e milhares de emprego vão pro ralo. Tem também o trabalho remoto, pode até ser bom pro individual mais para o coletivo é péssimo.
INV - Como você avalia a conjuntura
GGS - Temos que ficar do lado certo, no impeachment da Dilma, tanta gente do lado contrário, a favor desse que tinha entrado na presidência e arrebatou uma porção de gente. Fiquei ate me perguntando, estamos dando murro em ponta de faca? Nessa questão deguerra, nós do movimento sindical estamos do lado da Palestina, não somos a favor do terrorismo, às vezes, taxaram a gente do movimento sindical de terroristas, mas nós queríamos nossos direitos, apelávamos para o diálogo, aprendemos muito com Lula, que consegue ate conversar com seus inimigos, que prenderam e bateram nele, consegue passar por cima disso senta e conversa. O trabalhador do comércio é muito sofrido, pode ser que desde a minha chegada não conquistamos muita coisa, mas lutamos e não desistimos. O comércio não tinha nem tíquete-refeição, que conquistamos; perdemos o domingo, mas essa perda foi no Brasil inteiro devido a lei, lutamos contra mais de cinco mil empresas, pequenas, grandes e multinacionais, não foi fácil. O trabalhador precisa lutar sempre, olhar pro sindicato como se fosse aquela luz no final do túnel.
Osmarina Portal