5 anos do Comitê de Luta da Favela do Nhocuné-SP
O Comitê de Luta da Favela do Nhocuné completou em dezembro de 2020 5 anos de resistência e gostaríamos de comemorar com o Inverta, que foi essencial na construção dessa história com um relato sobre o que conquistamos nesses anos.
Essa construção que começou com o desejo de um jovem poeta de realizar eventos culturais em sua favela e que em dezembro de 2015 organizou o primeiro Sarau da Favela, teve seus primeiros anos marcados por atividades artísticas. Algumas delas com a participação de mais de 100 pessoas, outras que não chegaram a ter nem uma pessoa, a maioria com uma média de público. Tudo construído no início sem recursos, com muita dificuldade, mas com muita dedicação empunhando a arte para romper o silêncio criminoso que transforma as mais bárbaras violências vivenciadas em carne viva pelas pessoas da favela em simples cotidiano, em simples rotina.
Algumas reflexões permitiram que essa construção que com o objetivo trazer alguma transformação para a favela amadureça. Uma das reflexões é a necessidade de maior conscientização, para alcançá-la, seria necessário que tivéssemos uma prática que transformasse as atividades em um meio para construir um projeto de organização comunitária.
Para isso, mais importante do que os próprios saraus eram as conversas que tínhamos, entre uma atividade e outra, com as pessoas que se dispunham a construí-los e com as pessoas que eram tocados por eles. Que não adiantava nada fazer denúncias sobre a realidade se a pessoa voltaria para casa sem ter como fazer nada, às vezes, apenas mais angustiada com a própria condição. Cabia-nos construir a união organizada do povo para a transformação e, então, fomos constituindo em torno da proposta de construção de um Comitê de Luta.
Passamos a fazer isso e começou a verdadeira dificuldade! Unir um grupo de pessoas passou a ser nosso maior objetivo e no início parecia quase que uma tarefa impossível! Às vezes pessoas que já estavam próximas, quando chamadas a construir se afastavam. A maioria demonstrava extrema apatia frente ao que estávamos falando. Muitas vezes foi extremamente difícil, desanimamos algumas vezes e ficamos desesperançados. Por outro lado, essas dificuldades nos incentivaram a estudar, conhecer melhores outras experiências de luta em sua forma e entendermos melhor pelo que estávamos lutando, entender mais sobre o conteúdo da nossa própria luta. Assim, fomos compreendendo um pouco mais as coisas. Fomos compreendendo que na história de nosso país, muito se fez para reprimir e desestimular as lutas, que pelo grau de exploração que estamos submetidos, a alienação e embrutecimento do povo é algo sistematicamente construídos para manter a estrutura de opressão.
Fomos nos alimentando da consciência de que mesmo com toda essa dificuldade, desistir de organizar nossa gente é aceitar que daqui 30, 50, 100 anos, nossas crianças desviarão de água de esgoto ao sair da porta de sua casa! Nos brindamos com os exemplos históricos dos povos do mundo que as vezes em situações mais difíceis que as nossas, com menos pessoas do que tínhamos, deram início a grandes transformações na estrutura de suas sociedades e que nosso povo que não é menos nem mais que ninguém, também deveria almejar alcançar esses feitos. Inspiramo-nos exemplos de resistência do povo brasileiro que nunca se acovardou, nem frente as mais duras torturas da escravidão, nem frente as mais duras torturas das ditaduras, seguiram e nos deixou esses exemplos de dignidade e os direitos que até hoje temos, bem como o material precioso para nossa formação de luta que são seus acertos e erros.
Assim, aprendemos que talvez a principal característica de um lutador e uma lutadora é a fé nas pessoas, é a fé no seu povo. E persistimos, evoluindo em nossos métodos. Aprendemos a perder a timidez, a ter calma para conversar e ouvir mais. Entendemos que a maioria das pessoas tem medo de assumir um compromisso de luta que vá competir com suas inúmeras obrigações e seu pouco tempo de lazer. Que muitas vezes, tentamos enquadrar as pessoas em projetos que não tinham nada a ver com o seu interesse.
A maioria das pessoas já tiveram uma ideia, em algum momento de sua vida, de uma atividade que gostaria de fazer e nossa tarefa era aguçar sua vontade de construir essa ideia e, principalmente, construí-la junto, mostrando que para fazer algo não precisa de tanto tempo, ao mesmo tempo em que os estudos e o avanço do entendimento de mundo vão nos ensinando há dedicar mais tempo aos interesses coletivos, mas isso tudo é um processo, entendendo que há momento de plantar e há momento de colher. Tudo com muita paciência com os outros e muita urgência de melhorarmos e aproveitarmos as pequenas vantagens que podem aparecer em uma conversa, uma panfletagem, um estudo e que se não forem aproveitadas, somem e podem nunca mais aparecer.
Assim, ouvindo as propostas, de oportunidade em oportunidade, quantidade foi gerando mudanças na qualidade, fomos também diversificando as lutas e aos poucos, crescendo e aparecendo, ampliando nossas articulações em espaços da saúde, educação, espaços da assistência social, as igrejas, os bares, que foram se constituindo em núcleos de trabalho e luta do comitê, que estão se estruturando dia após dia.
Com a ajuda do Jornal Inverta o comitê foi compreendendo que cada luta que travamos hoje frente a qualquer necessidade imediata representa uma luta contra o projeto de morte que mira nosso povo, destrói as suas condições de vida, sem que ele saiba: o Neoliberalismo. Hoje nos reconhecemos como mais um dos Comitês de Luta Contra o Neoliberalismo. Entendemos que só a força organizada de todos os milhares de comitês que devem ser criados no Brasil, enraizados onde o povo está, é que conseguirá destruir esse projeto e construir uma alternativa popular para o país e levamos essa reflexão a mais pessoas.
Frente a todas essas vitórias, não podemos esquecer que sofremos muitos revezes também. Nos cometemos por muito tempo o erro de cobrar um compromisso das pessoas sem que a sua consciência estivesse preparada para assimilar. Às vezes esvaziamos as bandeiras específicas e imediatas de luta e nos focamos só nos debates políticos que as pessoas não tinham ainda formação suficiente para acompanhar. Às vezes, nos concentrando apenas nas questões mais organizativas, nos descuidando dos conflitos pessoais do grupo e de pessoas com interesses desagregadores. Somados esses desgastes, no ano de 2019, ano da vitória do protofascista, depois de uma campanha exaustiva, perdemos praticamente toda a nossa base, ficando no comitê apenas duas pessoas. Foi um momento desolador, avaliamos acabar com a iniciativa. Mas, seguimos. Na dinâmica da luta, há avanços e retrocessos, sem que se possa retroceder ao estágio inicial, sempre se retrocede a um estágio mais avançado e nos apegamos às relações já construídas que nos garantiriam reconstituir o nosso comitê e assim fizemos, hoje, muito felizes de termos conseguido superar aquele momento.
Em 2020 ampliamos nossas articulações, reconstruímos a base com novas pessoas. Fizemos uma campanha destacada em torno da pandemia e fechamos o ano com a apresentação de 6 saraus online sobre as experiências de Luta do Povo Brasileiro que nos rendeu conhecimento insubstituível que pode ser também divulgado no Sarau e uma fonte importante de finanças.
Nessa caminhada de comitê de favela também carregamos muitos mortos. Crianças e adolescentes que estiveram nas atividades e já não estão mais. Eles nos ensinaram que quanto mais tardamos, mais perdemos. Estão presentes em nosso compromisso e nosso senso de urgência, mesmo que seria muito melhor que estivessem aqui.
Fora do nosso comitê somos só operários isolados nos nossos barracos, tentando superar sozinhos os problemas que são iguais aos dos nossos vizinhos, expostos a toda sorte de sofrimento. Somos apenas humilhados, desperdiçando a única força que podemos ter nessa sociedade: a força de nossa união organizada. Mas em nosso comitê, estamos livres do horror da impotência, não somos mais só prisioneiros dessa vida. As ferramentas estão em nossas mãos e construímos uma história junto a nossa gente. Temos o que todo explorado tem o direito de ter: um caminho para a liberdade. Amanhã seremos milhares!
Comitê de Lutas da Favela do Nhocuné-SP