Depois de Kosovo, Macedônia
Depois de Kosovo, Macedônia
Entrevista com Michel Collon, do Partido Trabalhista da Bélgica
Inverta publica trechos da entrevista realizada com Michel Collon, do Partido Trabalhista da Bélgica, sobre a situação nos Balcãs. Collon denuncia e desmascara as versões da mídia sobre os verdadeiros objetivos das guerras promovidas pelos Estados Unidos nos Balcãs, onde a OTAN tem cumprido o papel de braço armado dos interesses norte-americanos. A tática de dividir para reinar dos EUA é a mesma também em diversas partes do mundo, como na América Latina com o Plano Colômbia. O artigo foi transcrito do francês por Beatriz Morales Bastos e enviado à nossa redação por Jean Pestieau.
1- A Macedônia é uma região estratégica?
Michel Collon - Sim, já expliquei isso em meu livro “Monopoly”, citando inclusive o general Jackso, comandante da própria OTAN, que declarou que “estava lá para garantir a segurança dos corredores energéticos que atravessam a Macedônia.”
2-Como assim corredores energéticos?
MC - Temos mapas que demonstram os projetos da Europa de construir uma rede completa de oleodutos e gasodutos que unam, via Balcãs, os enormes recursos petrolíferos e de gás do Cáucaso ex-soviético. [Esses projetos] se chocam com os interesses norte-americanos de construir um oleoduto, via Bulgária-Macedônia- Albânia- Adriático, assegurando às multinacionais americanas o controle da rota. Esta é a razão pela qual a grande potência há dez anos tenta controlar a Iugoslávia.
Há
pouco tempo respeitáveis órgãos de imprensa
norte-americanos e britânicos divulgaram o projeto “Trans
Balkan Pipelline”, que partiria do Mar Negro, passando pelo Mar
Adriático, por Bulgária, Macedônia e Albânia,
possivelmente a rota para fazer chegar ao Ocidente o petróleo
e o gás que se extraem da Ásia Central (750.000 barris
de petróleo ao dia) que, segundo a Agência
Norte-americana de comércio e desenvolvimento, proporcionará
às companhias dos EUA um papel chave para desenvolver a
política de privatização do governo
norte-americano.
E mais, o secretário americano de Energia, Bill Richardson, declarou em 1998, que “se tratava da segurança energética dos EUA" e mais ainda, “preferiríamos que esses países independentes apoiassem os interesses comerciais e políticos do Ocidente e (...) para nós é importante que tanto o traçado do oleoduto quanto a política sejam corretas”.
O jornal britânico “The Guardian” divulgou a seguinte declaração do presidente da Albânia em dezembro de 1998, antes da guerra: (... ) “nenhuma solução que permaneça no seio das fronteiras da Sérvia será duradoura”. Esta mensagem é clara: se querem a aprovação dos albaneses para o oleoduto transbalcânico, têm de passar pela aprovação da independência de Kosovo do território dos sérvios.
3 - É surpresa a ofensiva da UCK?
MC - Os separatistas da UCK não só assassinaram policiais e civis sérvios, como também albaneses casados com sérvios, ou que aceitaram viver em Estado iugoslavo. Atualmente, os EUA fingem surpresa, o que é uma hipocrisia, pois o próprio enviado de Washington aos Balcãs, Robert Gelbard, afirmou várias vezes à imprensa internacional, em meados de 1998, que o UCK eram terroristas. Milagrosamente, eles se transformaram em lutadores pela liberdade e a OTAN se converteu em sua força aérea.
Os separatistas têm planos difundidos entre seus simpatizantes europeus, em um mapa da Grã-Albânia. Em meu livro Monopoly, reproduzo esse mapa e comento: “Além de Kosovo, que forma grande parte do território da Sérvia, essa Grã-Albânia tiraria muito território da Macedônia, Montenegro e Grécia. Portanto, se a UCK levar a cabo seus planos, as guerras serão inevitáveis.”
A
Grã-Albânia implica não somente em
expansionismo, como também em limpeza étnica.
Atualmente têm sido expulsos de Kosovo 350.00 albaneses sob os
olhos da OTAN, como também ciganos, goranis, turcos, etc.
0s nacionalistas
albaneses, desde 1982, têm planos para formar a Grande Albânia.
Diante de tudo isto, o senador norte-americano Joseph Lieberman declarou, em abril de 1999, que “EUA e o Exército de Libertação do Kosovo defendem os mesmos valores humanos , os mesmos princípios. Defender o UCK é defender os direitos humanos e valores norte-americanos”. Qualquer um que for a Kosovo pode ver por toda parte nos postos de gasolina, por exemplo, a bandeira dos EUA e a albanesa estreitamente unidas.
4 - As versões da OTAN sobre as guerras ainda se sustentam ?
MC - Que nos dizia a OTAN para justificar seus bombardeios mortíferos?
1º
- que as guerras eram humanitárias. Falso: eram pelo petróleo
e para domar uma economia que resistia às multinacionais
ocidentais e ao FMI;
2º - que tinham tentado por todos os meios
encontrar uma solução negociada. Falso também:
agora se sabe que jamais houve negociação em
Ramboulillet, que aí só houve uma farsa para justificar
uma guerra que estava já decidida;
3º - que era uma guerra limpa. Também falso: 2.000 civis mortos, incontáveis fábricas e infra-estruturas destruídas, além de armas proibidas e criminosas: bombas fragmentárias, munições de urânio...
O que restou da versão oficial também se desmorona. Se nos haviam dito “que o problema de Kosovo era Milosevick”, as coisas não vão nada melhor com Kostunica e com o governo submetido ao ocidente! O próprio Times reconhece: Segundo a administração Clinton, a OTAN prestou ajuda aos indefesos albaneses e seus bravos campeões, o Exército de Liberação de Kosovo (UCK). Adivinhem vocês uma coisa? A OTAN reconhece agora que os nacionalistas albaneses são o principal problema de segurança na região, e que estão pensando em pedir ajuda ao próprio exército iugoslavo para ajudar a OTAN!(...). Agora, que a Iugoslávia tem um presidente eleito com quem o Ocidente pode negociar e a perspectiva de apoio a OTAN, a independência de Kosovo desapareceu.
Nos diziam que tinham de intervir para parar um genocídio sérvio e estabelecer um Kosovo multiétnico. Porém o general alemão Heinz Loquai demonstrou que o suposto documento “Herradura”, apresentado pelo ministro alemão Scharping era falso, que o genocídio era uma mentira premeditada, e esse general acaba de qualificar a guerra como “injustificada”, acusando a OTAN de haver provocado catástrofes humanitárias: um êxodo massivo de albaneses, seguido de outro dos sérvios. O general Michael Rose, que dirigia as forças da ONU na Bósnia, culpa a OTAN por haver introduzido uma cultura de violência na região.
Finalmente, para poder executar a política de limpeza étnica de Kosovo, os partidários da OTAN e do UCK têm pretendido convencer-nos de que se trata de vingança pelo que os sérvios haviam feito. E na Macedônia, onde nada havia acontecido, com que pretexto se justificam as agressões do UCK? A única explicação possível é que os objetivos do UCK sejam estabelecer um Estado etnicamente puro, e só podem fazê-lo com essa escalada de ódio e com o terrorismo.
5 - Washington joga um jogo duplo?
MC - Os EUA fingem indignar-se com a atuação violenta do UCK. Porém , temos que assinalar várias coisas: não moveram um dedo quando o UCK saiu de Kosovo para atacar a região de Presevo, na Sérvia Central. Pior: a infiltração se produziu a partir da zona norte-americana de ocupação de Kosovo.
Washington e a OTAN pretendem hoje “tratar de parar o fluxo de armas e de combatentes existentes na Sérvia e no sul da Macedônia”. Qualquer um que vá a Kosovo observa que as barreiras são controladas pela Kfor a cada 5 quilômetros; as mesmas vêm das fileiras da própria UCK. Além disso, a Kfor tem transformado a UCK em Corpo de Proteção de Kosovo. Resumindo: se não se procura as armas da UCK, não se pode encontrá-las.
Jim Marshall, porta-voz da Kfor estadunidense, declarou em 6 de março: "Temos identificados entre 75 e 150 rebeldes que entraram e saíram de Kosovo, livrando-se de seus armamentos antes de cruzar a fronteira” Pergunta-se: o que impede 45.000 soldados da OTAN que ocupam Kosovo de detê-los? Não querem fazê-lo? O Observer, importante jornal britânico, publicou denúncias de sub-oficiais europeus de que "a CIA havia incitado o UCK a desfechar sua ofensiva em 2001 no sul da sérvia para minar o então presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic”. Quem pode garantir hoje que tenham cessado o apoio ao UCK?
6 - O UCK desencadeará uma nova guerra?
MC - Há uma coisa clara: o UCK - que no ano passado perdeu as eleições porque os kosovares albaneses não quem mais viver em guerra permanente - só pode reconquistar terreno com a violência. Inclusive na Macedônia, onde o UCK pretende defender os direitos das minorias albanesas, ainda que tomar o poder seja aumentar o cenário de seus tráficos mafiosos; por isto necessita da guerra.
A tática
deles é clara: usar uma escalada provocando o exército
macedônio e iugoslavo. Isso permitirá alcançar
dois objetivos:
1. Internacionalizar o conflito; 2. Envolver novos
adeptos entre a juventude albanesa fanatizada pelo nacionalismo.
Apesar de que têm-se desenvolvido pequenos tráficos mais ou menos legais, a comunidade albanesa da Macedônia tem uma taxa de desemprego de 60%, tendo assim um potencial onde recrutar adeptos.
7 - Que buscam realmente os EUA?
MC
- A repetição
do golpe de efeito do Racak necessitaria da cumplicidade dos EUA para
levá-lo à mídia ocidental. Isto seria, com toda
segurança, o sinal de que os Estados Unidos estariam
preparando nova intervenção. Mas pode-se fazer algumas objeções a essas hipóteses:
Primeiro: os Estados Unidos qualificam hoje o UCK como “forças extremistas”, e condenam suas ações, ao menos em palavras. Resposta: em meados de 1998 os EUA também o qualificavam como terrorista, mas, como já vimos, isso não os impediu de apoiá-lo a fundo meses depois. Se há um princípio que qualifique as ações do EUA, pelos menos nos últimos dez anos, é que os EUA não têm princípios!
Também pode-se dizer que o novo governo Bush não tenha decidido ainda qual é a melhor tática para assegurar seus interesses nos Balcãs, e prefira seguir estudando por um tempo ambos os lados, e que a tática do UCK seja precisamente forçar os EUA a atuar mais depressa.
Em ambos os casos, uma coisa é certa: os EUA não estão aí para garantir paz nem proteger nenhum povo dos Balcãs. Estão para dividir para poder reinar. E, como se sabe, para dividir não há nada melhor que a guerra ou, em todo caso, uma guerra de “baixa intensidade”, com enfrentamentos de vez em quando.