Carta de Desagravo do XI Seminário Internacional de Luta Contra o Neoliberalismo à ex-presidenta Dilma Vana Rousseff e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
O dia 17 de abril de 2016, data em que a Câmara dos Deputados aprovou o envio do impeachment da presidenta Dilma Vana Rousseff ao Senado Federal; o dia 31 de agosto de 2016, data em que o Senado Federal, por 61 votos a favor e 20 contra, cassou o mandato da presidenta eleita com mais de 54 milhões de votos, mantendo ardilosamente seus direitos políticos; o dia 14 de setembro de 2016, em que os procuradores da Operação Lava Jato, em reality show e cumplicidade da mídia oligárquica, apresentaram a denúncia sem provas de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria o responsável maior do esquema de corrupção no Brasil, de 2003 até os dias atuais; o dia 20 de setembro de 2016, data em que o juiz Sérgio Moro aceitou a denúncia inepta dos procuradores da Lava Jato - são dias de infâmia, excrescência e vergonha nacional, em que transparece a herança espúria, colonial e neocolonial - de escravismo, servidão e dependência ao imperialismo. São dias em que a amálgama de alienação, exploração, sujeição, prepotência, violência, fundamentalismo, racismo, lgbtfobia, misoginia que domina parte da consciência nacional, subsumida à ideologia reacionária das oligarquias burguesas no país, uma vez mais volta-se contra as conquistas humanas universais condensadas no marco civilizatório do Estado de direito democrático e soberano, de igualdade econômica, justiça social e liberdades individuais.
Estes dias de infâmia, excrescência e vergonha nacional, que conduzem episodicamente a roda da história ao retrocesso, a um passado obscuro, seus tribunais de exceção e inquisitórios, torturas e à pedagogia da execração pública: a chibata, o pelourinho e o esquartejamento, violentando o corpo, a alma e a dignidade humana, exigem do povo brasileiro e da solidariedade internacional no momento histórico atual novas e decisivas campanhas de lutas e combates pela devida reparação de fato e de direito de todas as injúrias, escárnio e sentenças a que são vitimados seus representantes máximos, a Exmª. Srª Dilma Vana Rousseff e o Exmº Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, bem como seus principais auxiliares e aliados por este processo vil, sórdido e homicida, urdido pelo ódio de classe, preconceito, revanchismo, usurpação, ganância e prepotência compulsiva das oligarquias no país, seus burocratas inquisidores, modernos capitães do mato e feitores.
Ontem foram as correntes da contrarreforma religiosa em oposição ao avanço das ideias e lutas sociais pela liberdade de pensamento presentes na ciência moderna, acompanhando e impulsionando as transformações nas relações econômicas e sociais dos regimes escravocratas e feudais aos regimes do capitalismo e do socialismo e suas conformações em Estado moderno, hoje são as correntes do fundamentalismo religioso e econômico que comandam a nova inquisição por meio de seus representantes no âmago das instituições nacionais, deformando-as, corrompendo-as e desviando-as de seu caráter e função constitucional, democrática e republicana, conduzindo-as à aberração do neofascismo e do neonazismo, da eugenia, misoginia e luta fratricida. Se ontem, no curso de transição dos regimes sociais e lutas de classes, sublimaram-se arquétipos universais, expressando ideias e personagens históricos: Espartacus, Cristo, Joana d’Arc, Galileu Galilei, Robespierre, Marx; nos dias atuais, testemunha-se a martirização de dois personagens que condensam as lutas e conquistas sociais do povo brasileiro e de Nossa América, a exemplo dos antepassados Zumbi dos Palmares, Sepé Tiaraju, Anita Garibaldi, Tupac Amaru, Bolívar, Martí, Prestes, Olga Benário, Che, Fidel, entre outros mártires, cada um e cada uma a seu tempo. Dilma Vana Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva são os novos personagens históricos que mantêm a base material-humana dos mitos de Prometeu e Lilith enquanto labor e sabedoria, portanto, ao contrariarem o reacionarismo ideológico das oligarquias e expressarem as ideias de liberdade, justiça e igualdade, são vítimas da campanha injuriosa, infame, insidiosa e insana dos donos do poder.
E por que um processo de flagrante e reconhecida injustiça se produz na sociedade brasileira mesmo diante de milhares de manifestações, reunindo centenas de milhares de manifestantes contra tais injustiças, como se constatou durante o golpe parlamentar do impeachment à presidenta Dilma Rousseff e como se constata diante da continuidade do golpe atingindo com as mesmas injúrias o ex-presidente Lula, seus auxiliares e aliados? Por que um processo denominado, por senadores da República ao estilo J’Accuse de Émile Zola, de canalha, infame, amoral, insidioso, e por centenas de conceituados juristas nacionais e internacionais de libelo acusatório com inépcia de provas, continua a desdobrar-se em dezenas de outros processos urdidos à calada da noite e à tortura das prisões temporárias? Por que os novos inquisidores e seus arautos não auscultam o clamor dos injustiçados que verbera a prossecução criminal de Lula e Dilma, provocando a conflagração de batalhas campais de protestos e denúncias? Ignoram os donos do poder, seus burocratas inquisidores e esbirros policiais o chão que estremece aos seus pés em prelúdio ao réquiem de seu último banquete? Robespierre clamaria: “guilhotina!” Já o poeta cubano: “pagarán sus culpas los traidores!”
De nossa parte é possível compreender este retrocesso histórico de golpismo e usurpação do direito inalienável do povo ao voto livre, direto e secreto, segundo as regras do presidencialismo, na eleição do mandatário máximo da República, partindo-se de três determinações gerais deste período histórico: a característica dominante da crise do capital, a falência da economia política oficial e o recurso escatológico ao fundamentalismo que reveste a estratégia geopolítica do sistema para superação da crise.
Em tese, a crise de acumulação do capital nos centros hegemônicos e tecnologicamente avançados chegou ao ápice e não tem perspectiva de superação no sistema. A falência notória da economia política oficial diante da nova base de conquistas humanas, econômicas, sociais e políticas, traduzidas no Estado de bem-estar social, estratégia keynesiana com a qual a burguesia superou a sua crise geral no século passado, ou o que lhe soçobrou dos embates de classes suscitados pela nova estratégia neoliberal das oligarquias para superação da crise. A necessária ruptura com regramento constitucional do Estado de direito, em sua versão keynesiana, governança e políticas públicas social-democratas, é condição vital à acumulação de capital das oligarquias burguesas nacionais e internacionais diante do novo caráter que se acentua na crise, a perda de efetividade do paradigma de mensuração do valor, ou seja, o tempo de trabalho socialmente necessário, como âncora que determina a equalização entre capital fictício e capital real, entre a expansão monetária e a produção de mercadorias com valor agregado, quer dizer, mais-valor.
É desnecessário explicar aqui em detalhes este processo, o importante é enfocar que a alta composição orgânica do capital, devido à última fase da revolução industrial, a revolução informacional ou cibernética, incorporou ao máximo a tecnologia autômata e inteligente, a ciência e a técnica ao processo de produção substituindo o emprego da força de trabalho (relação homem/máquina) e reduzindo ao mínimo o tempo de trabalho socialmente necessário na produção. Com isto, o paradigma de mensuração de valor deformou-se, porque a tecnologia e a ciência, ou mesmo a cultura, atribuídos ao conceito de capital humano, conhecimento tácito, capital intelectual etc., não se pode mensurar pelo tempo necessário, fluindo a especulação na precificação de mercadorias e ativos financeiros, como se a lei do valor se assentasse no componente subjetivo da originalidade e realização estética presentes na obra de arte, alimentando a falsa tese do lucro marginal. A expansão da base monetária, como capital fictício, agigantou-se, e o paradigma de valor do tempo necessário aplicado nestas condições torna-se terapêutica brutal, mas necessária à transferência de lucro como fórmula vital à acumulação de capital pela centralização.
A crise de equalização de valor ou valorização exige pressa na execução das políticas neoliberais de centralização de capital, não pode respeitar as regras constitucionais, o Estado de Direito, ou a vontade popular instituída democraticamente. É necessário romper com as regras, abocanhar o patrimônio estatal e riquezas sociais acumuladas durante os períodos de alta do ciclo econômico, confiscar a poupança dos trabalhadores e setores médios, acabar com os benefícios sociais, transformar títulos podres e ativos inflados em bens materiais reais, o pré-sal, Petrobrás, Furnas, hidrelétricas, Banco do Brasil, Caixa Econômica, reservas ambientais, reservas hidrográficas, tecnologia, literalmente, tudo. Trata-se de executar a poupança forçada aos trabalhadores regredindo aos tempos da escravidão a exemplo do sucesso econômico da Alemanha nazista e da Itália fascista, submetendo os trabalhadores e segmentos sociais à perseguição e criminalização. E o caminho mais curto para tudo isto no Brasil é o que se traduziu com o programa golpista Ponte para o Futuro.
A crise da economia política burguesa trouxe à tona o método histórico da acumulação capitalista diante da crise geral do sistema, descrita há mais de um século e meio nas palavras do pensador mais brilhante do milênio passado – Karl Marx, em seu Manifesto de 1848: “de que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las”. Pois bem, a crise atual remonta o cenário de barbárie, de guerras na destruição violenta de forças produtivas e pogroms nas campanhas de limpeza étnica e migrações forçadas, submetendo os grupos sociais à herança da acumulação primitiva. Nessas circunstâncias, o programa neoliberal de aplicação de política de poupança forçada, transferência e usurpação de riquezas, mais que incompatível com o Estado de direito, clama pelos métodos de controle, vigilância e punição que comportam os métodos do fascismo e nazismo, reivindicando os super-homens de massa e o herói ereto, acima da justiça humana constitutiva do Estado de direito, sobrepondo eugenia religiosa e política como justiça divina acima da justiça humana.
A face humana da justiça, que exige princípios ao processo persecutório, como os testes de razoabilidade, materialidade e confiança das provas na instrumentalização destes, tanto no caso da ex-presidenta Dilma quanto no caso do ex-presidente Lula, considerando a análise dos juristas que, unânimes, qualificam os processos como infundados, devido à inépcia de provas, ou mesmo considerando a controvérsia de tais formulações, implicaria a dúvida razoável, logo juízo pro reo. Porém, o julgamento sob a escatologia da justiça divina consuma-se em conformação ideológica que não permite direito à dúvida razoável dos denunciados, seu fundamento fático é étnico-moral-idealista, portanto fundamentalista pró-condenação nos termos da Sagrada Família. Deste modo, não há como esperar vereditos segundo o direito humano em voga, mas segundo o direito divino alegado pelos golpistas e usurpadores encastelados em postos chaves dos poderes constitucionais da República, como demonstrou o voto de condenação da presidenta Dilma proferido por Eduardo Cunha, sintetizando os votos dados em nome de Deus, da família e da propriedade dos trezentos e poucos deputados na Câmara, bem como a arguição acusatória da advogada Janaína Pascoal ao definir que o processo urdido constituía-se numa obra de Deus, assim como a acusação proferida da mesma forma contra o ex-presidente Lula pelos procuradores da Lava Jato, fundada não em provas materiais, mas na convicção.
Uma verdade pode se extrair de toda esta trama golpista infame, injuriosa e insidiosa; não é possível desagravar toda injustiça e escarnecimento da dignidade humana que representa o processo que levou ao golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff e a continuidade deste com o processo contra o ex-presidente Lula, ministros e apoiadores leais dos governos petistas. Eles se acumulam desde o denominado “mensalão”, que redundou na condenação de José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e outros, continuando com a condenação de João Vacari Neto, as prisões arbitrárias de Paulo Bernardes e Guido Mantega e outros tantos, levados à “Torre de Londres” e aos porões da tortura, relembrando os tempos dos DOI-CODI da ditadura militar. O governo golpista de Michel Temer tende a se conformar cada vez mais num Estado policial que caminha irreversivelmente para uma ditadura aberta, cuja tarefa é executar o programa neoliberal de usurpação das riquezas nacionais e dos direitos do povo brasileiro, e afogar a luta dos países irmãos pela autodeterminação e soberania frente ao imperialismo. Este programa, com base nas regras democráticas da Constituição republicana das eleições diretas para a Presidência, jamais receberia do povo a legitimidade e a legalidade através das urnas, portanto, só através do golpe e de um Estado policial poderá se realizar. Ao povo resta um único desagravo possível para reparar a injustiça e a infâmia contra seus representantes: pôr abaixo o governo golpista e impedir o prosseguimento do golpe e da ditadura aberta de classe das oligarquias pró-imperialistas no país.
Nós, entidades da sociedade civil, cidadãos e cidadãs presentes no XI Seminário Internacional de Luta contra o Neoliberalismo, nos compromissamos e empenhamos todas as nossas forças na luta revolucionária para pôr abaixo este governo usurpador, derrotar as forças reacionárias, fascistas e fundamentalistas que o sustentam, e impedir a realização do seu programa neoliberal de horror econômico e usurpação dos direitos democráticos e sociais conquistados nas últimas décadas. Não aceitaremos a criminalização dos movimentos sociais, nem a condenação midiática e judicial das organizações e lideranças progressistas e de esquerda do nosso povo. A revolução social já caminha no coração e mente de cada cidadão que se sente golpeado e ultrajado em sua dignidade humana com a injustiça praticada contra seus representantes. Reparar esta injustiça é uma questão de unidade, organização, luta, vida ou morte.
Ousar lutar, ousar vencer!
Rio de Janeiro, 24 de setembro de 2016
Aluisio Pampolha Bevilaqua – INVERTA/CEPPES/REGGEN
Antonio Cícero Cassiano Sousa – CEPPES/ISERJ/ETEAB
Bianka de Jesus - INVERTA
Claudio Gurgel – UFF
Diego M. Andrade - CEPPES/INVERTA - CE
Edson Santos - PT
Francisco Antonio de Albuquerque Neto - INVERTA - PR
Gaudencio Frigotto - UERJ
Georgina Queiroz – UNISUAM
Haroldo de Moura - PCML
Jaqueline Alves - CLCNs
Jaques D´Ornelas - UMNA
Jorge Prates - INVERTA- DF
José Augusto Di Jorge Vasconcellos - CEPPES
José da Silveira Filho - INVERTA - PR
Júlia Pereira - INVERTA - MG
Juliano Siqueira - Associação Potiguar dos Presos Políticos - RN/INVERTA-RN
Lincoln de Abreu Penna - UFRJ
Maria Angelina Gel Oliveira - Jornalista/Marcha Mundial das Mulheres em João Pessoa - PB
Nadine Borges – UFRJ
Orvandil Moreira Barbosa - IBRAPAZ - GO
Osmarina Portal - PCML
Rafael Rocha - Cooperativa INVERTA
Roberto Figueiredo - INVERTA - SP
Sandra Santos – ISERJ/FAETEC
Sebastião Carvalho M. Neto - INVERTA - CE
Theotonio dos Santos – UERJ/REGGEN
Vereador Brizola Neto – PSOL
Vereador Otoni Reimont - PT
AMA - Associação dos Metalúrgicos Aposentados do ABC - SP
CEPPES (Centro de Educação Popular e Pesquisas Econômicas e Sociais)
CTB - Central de Trabalhadoras e Trabalhadores do Brasil
Jornal INVERTA
Juventude 5 de Julho
IBRAPAZ - Irmandade Brasileira Justiça e Paz
MLCNPS (Movimento Nacional de Luta contra o Neoliberalismo e pelo Socialismo)
Movimento Nacional da População em Situação de Rua
Núcleo Casa das Américas – Nova Friburgo
PCML-Br (Partido Comunista Marxista-Leninista – Brasil)
REGGEN (Rede de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável)
UBM/RJ - União Brasileira de Mulheres/RJ
UMNA
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