Abutre, o primeiro romance de um dos pais do RAP
Abutre,
o primeiro romance de um dos pais do RAP
Harlem, Bronx, Chelsea e Broklin, 1968 e 1969. Linguagem corrida, como uma conversa, cheia de gírias. Assaltos, gangues, drogas, violências, adolescência e militância. São estes os elementos que enchem o romance Abutre de Gil Scotte-Heron, tido por muitos como o precursor do Ritmo e Poesia, R.A.P. na sigla em inglês. Comparável a um roteiro de filme de Spake Lee, que traz em seu currículo os longas Faça a Coisa Certa e Malcom X. Entre violência e militância política , os filmes recolocam o negro norte americano como protagonista na luta de classes combatendo a maior potência imperialista dentro de seu próprio quintal: a periferia das grandes metrópoles.
Scotte-Heron teve infância turbulenta, nasceu no Chelsea (periferia nova-iorquina de imigração hispano-americana e não de maioria negra como na maior parte dos bairros periféricos na cidade), gostava das artes, e esperava a conclusão de seu primeiro romance para iniciar sua vida política e profissional. Viveu nos anos de ascenso dos Panteras Negras, Malcom X, doutor King e na luta pelos direitos civis do negros. É esse ambiente politicamente favorável para a luta política, que está nas linhas de Abutre. Enquanto a classe média fugia da realidade com o movimento hippie, os negros organizavam-se e combatiam o estado capitalista e branco norte americano. Tão simples assim? Talvez não, mas a história mostrou anos mais tarde quem combateu (e foi eliminado do jogo político) e quem foi cooptado pelo sistema. A ex-feminista Hillary Clinton que o diga.
O livro
A narrativa é em primeira pessoa. O primeiro interlocutor é Spade, garoto de 18 anos, com cara de mal e que tem o respeito de todos no bairro: Chelsea. Do tráfico às festas, das mulheres ao tráfico novamente. Assim Spade divide seus dias e noites.
O leitor será pego de surpresa quando a história muda de personagem. Agora já não é mais Spade quem nos narra os acontecimentos, mas Junior Jones. Tem apenas 16 anos, quer ser o tal do pedaço, e o fato de manter amizade com Spade o faz ganhar moral entre os seus (a pequena gangue de adolescentes). Porém, o garoto é sensível e não está disposto a arriscar sua vida de qualquer maneira, seja numa briga de gangues, seja enfrentando os tiras.
A trama é um retrato fiel do dia-a-dia de um dos lugares mais violentos dos Estados Unidos e, em particular de Nova York. Os guetos onde negros e hispano-americanos foram empurrados sem nenhuma lei e jogados à própria sorte, o tráfico torna-se aí um dos melhores mercados para os jovens. Qualquer semelhança com nossas periferias é mera coincidência. Escancara ao leitor aquela sociedade de classes onde o racismo declarado coincide-se com a divisão dos bairros e a posição das pessoas (em relação aos meios de produção). O lado mais cruel do racismo fica por conta da violência praticada dentro dos guetos pelos próprios moradores. Negros não se “aliam” a latinos e vice-versa: a violência é a conseqüência.
Mas nem tudo está perdido. O último narrador de Abutre é Afro. Também nascido no gueto, desfrutou da mesma criação que Spade, Juniors, John Lee, os porto-riquenhos Isidoro e Valsuena. Porém era destacado nos estudos, e tido pelos seus como intelectual. Ivan Quin, mais conhecido como I.Q. também podia ser considerado intelectual, mas ele era mais “bicho-grilo”, e acabou por se envolver com o oposto da realidade daqueles jovens: Margie, menina hippie, branca e cheia de grana.
Militância
Afro, militava na URNA (União Revolucionária dos Negros Americanos) e gastava seu tempo entre a militância e um emprego numa pequena loja de camisas africanas. Também numa organização como esta Scotte-Heron colocou sua esperança de mudança anos mais tarde. E com consciência (de classe e raça) escreveu os poemas que aliado à batida rápida e frenética dariam melodia e toque final ao que ficaria conhecido anos mais tarde como RAP.
Abutre
é do começo ao fim, ritmo e poesia.
M. N. S.