Genocídio e Resistência dos Povos Indígenas no Ceará
Genocídio e Resistência dos Povos Indígenas no Ceará
“De todas as zonas do Brasil onde os autóctones repeliram longa e bravamente os assaltos dos conquistadores nenhuma apresenta tão grande resistência à invasão quanto o Nordeste” – Afonso de E. Taunay in, Resistência à conquista do Nordeste.
O Estado do Ceará tem uma rica cultura popular, fruto do superstrato entre a cultura portuguesa e a cultura dos povos indígenas que aqui habitavam. Porém, destas duas culturas na formação do cearense, a indígena é sobremaneira predominante na própria identidade do povo. Os valores, o comportamento, ferramentas, isto é, o homem como um todo é marcado por esses povos, que, desde o início da colonização têm travado uma incessante luta contra a dominação de suas terras, seja pelo Império Português ontem, seja por Impérios Industriais, os grandes capitalistas de hoje. Luta esta que de tão aguerrida e combativa, sofreu violentas respostas. E o pior, o “apagamento” da verdade histórica desses povos que estavam defendendo algo inafiançável – o direito à vida.
Os povos indígenas que habitavam a região da província do “Siará” foram protagonistas de heróicas batalhas contra os invasores. Mas muitos dos grandes historiadores ignoram a luta, resistência e o genocídio desencadeado pelo dominador. Segundo o historiador Tristão de Araripe (História da Província do Ceará, 1850), nestas terras viviam, dentre outros, os Anacés (ou Anassés); os Tremembés, (ou teremembés); os Areriús; os Tabajaras (ou Tobajaras); os Caratiús; os Inhuamuns; os Quixarás (ou Quixadás); os Jucás; os Quixelôs; os Canindés; os Genipapos; os Paiacús (ou Baiacus, ou Pacajús); os Cariús; os Cariris, os trairís (ou Tarairiús), os pitaguaris (ou Pitagoarí) e a nação dos potiguaras, até então a mais numerosa delas, que habitavam o litoral desde o Rio Grande do Norte até o Ceará, com muitas outras variações pela região. Todos esses povos foram convencionados e denominados pelos conquistadores através da pejorativa alcunha de “tapuia”, que na língua jê dos povos do litoral significa “povo bárbaro”.
Estas terras só seriam plenamente colonizadas pelos portugueses depois de mais de um século e meio desde o início chegada dos exploradores europeus. Esse período é denominado pela historiografia oficial como Guerra dos Tapuias, que compreendeu, na verdade, em diversas guerras entre invasores e povos defensores de suas terras. Da Guerra dos Tapuias, é registrada, principalmente, a batalha do Rio Pajeú, que durou cerca de 30 dias, onde os Anacés avançaram contra os portugueses e os últimos saíram derrotados; e a coligação de tribos indígenas contra o invasor, liderada pelos Paiacús, do chefe guerreiro Jurupariaçu e Irapuã, na região onde hoje é compreendida a cidade de Pacajús e Aquiraz. Mas a verdade é que a reação portuguesa não tinha dó nem piedade.
A truculência era tanta que até mesmo o sanguinolento bandeirante Domingos Jorge Velho, ao vir para o Ceará convidado, se chocasse e chamasse o lugar de “terra de assassínios”. Não era por menos, pois a ordem da metrópole aconselhava a todos a “degolar quaisquer índios” como ação educativa mais efetiva, pois o cativeiro se mostrava “ineficiente”. E inclusive, salientava a possibilidade de degolar crianças e mulheres com mais facilidade, por não oferecerem tanta resistência. Segundo os documentos oficiais, toda essa barbárie era medida corretiva para obriga-los a reconhecer como força suprema “as Armas de Sua Majestade”.
Porém, ao mesmo tempo em que essas “medidas” refletem o caráter cruel da reação, por outro lado demonstra a consciência dos indígenas ao resistirem, inclusive, à privações materiais (pois nem o cárcere tirava-lhe a consciência) e levando os dominadores a adotarem métodos animalescos de repressão – como só eles souberam, e ainda sabem, fazer.
A invasão do nordeste pelos holandeses representou para os índios um breve período de hospitalidade, devido à nova política laica. Porém, com a reconquista lusa, os conflitos reiniciaram intensamente. A vinda da família real no começo do século XIX modernizou as “Armas de Sua Majestade” e acelerou o processo de genocídio, os índios começaram a diminuir consideravelmente. Várias tribos foram oficialmente extintas, ou diluídas em massa de trabalhadores e camponeses no lugar das antigas aldeias. O presidente do Ceará na época chegou a proclamar em nome da aristocracia local que “na província não havia mais índio de corso”.
No entanto, o povo resiste! Da luta, ainda hoje resistem homens e mulheres entre Jenipapos, Canindés, Anassés, Pitaguaris, Tapebas, Potiguaras, Calabaças, Tremembés e Cariris. São povos que, hodiernamente, enfrentam o desprezo e descaso das autoridades para com eles. Diriam alguns: Mas estes recebem nosso apoio! Porém, as autoridades oficiais parecem não compreenderem muito as suas reais necessidades, que vai desde condições mínimas de sobrevivência – como saúde, moradia, luta pela terra, à preservação das tradições culturais que, como sabemos, corre um sério risco frente à globalização etnocêntrica.
Afinal de contas, vivemos sob o jugo do capitalismo e quem não se encaixa na problemática do sistema acaba excluído. É o que acontece com os indígenas hoje. Sua cultura é comercializada como produto exótico e as reais tradições, sua forma de viver, pensar e sua terra, não interessam prioritariamente os dominadores capitalistas, muito mais interessados em disseminar a cultura do consumismo e individualismo burguês, o pensamento enlatado do american way life, e se apropriar cada vez mais da terra – que aqui no Ceará é valiosa – pois a terra seca, para os indígenas que têm de tirar sustento delas, é nula.
É preciso lutar! Nesse momento em que o capitalismo mais uma vez avança sobre todos os explorados, surgem em nossa grande pátria movimentos indígenas verdadeiramente objetivados a lutar contra as arbitrariedades contra os índios, resistência cultural e étnica. Movimentos como o MOPIC – Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado – nos assinalam que devemos evocar nossos heróis do passado e lutar, todos juntos, por uma causa comum, numa ação transformadora da sociedade.
É chegada a hora dos povos do Ceará se levantarem! A nossa história é imorredoura, como imorredoura é a vitória dos justos na luta. Siriará-açu, terra grande, conquistemos a terra livre, o direito de sermos indígenas, mestiços e imigrantes, de sermos humanidade. Conquistemos o direito inalienável da vida, fator consubstancial de todos os povos e nações. Nossas conquistas só poderão realmente ser efetivadas se vierem coordenadas com a solidariedade revolucionária com outros povos. Todo trabalhador é também um indígena, herdeiro da tradição guerreira de nossos antepassados! Jurupariaçu vive em todos nós!