O Papel do Jornal na Revolução

“O Papel do Jornal na Revolução” é um tema muito amplo e complexo. Falar de nossa possibilidade de comunicação com as massas operárias, com os trabalhadores, com aqueles que fazem realmente a revolução, tornou-se o grande desafio de todo o revolucionário nesse momento. O mundo se transformou muito, as lutas sociais, ao longo do processo revolucionário, desde a luta histórica da classe operária, levaram a que a burguesia aperfeiçoasse cada vez mais o seu aparelho de dominação, seu aparelho ideológico, o seu aparelho de controle das massas, o seu poder de comunicação. E os revolucionários tiveram muitas dificuldades de manter, ao mesmo tempo, um desenvolvimento capaz de responder a essa situação com forma de organização e meio de comunicação capazes de atingir a ampla massa. Todos sabem que uma televisão hoje atinge cerca de 70 milhões de pessoas em um segundo.

Vivemos um momento pós-queda do campo socialista do Leste Europeu, onde há dois pontos importantes e uma contradição. Há uma profunda regressão do processo de evolução política da humanidade, porque existe uma carga ideológica muito grande. Estamos sofrendo uma grande ofensiva do imperialismo sobre os trabalhadores em todos os aspectos sociais, na economia, na política, na ideologia, ao nível internacional. É uma campanha orquestrada, com força o suficiente para chegar em todos os campos. Hoje, a idéia de globalização é a que integra os diferentes povos ao ritmo do capital, do capital financeiro das oligarquias que comandam tudo isso.

A humanidade passa por um momento, que nós poderíamos qualificar como aqueles momentos que Marx cita no Manifesto do Partido Comunista, como um aparente retrocesso à barbárie, porque o crime é incontrolável, não só aqui, no Terceiro Mundo, mas na Europa, nos Estados Unidos, na Alemanha, em todos os locais ditos do mundo desenvolvido. O nível de violência e de degradação moral a que chegou a sociedade é um estado de semi-barbárie.

Nos assustamos diante do que representava isso há momentos antes, enquanto a União Soviética estava de pé, onde existiam, para os trabalhadores, algumas conquistas de ordem social, como seguridade, jornada de trabalho regulada, o avanço progressista dos trabalhadores e muitas conquistas, às custas da Revolução Proletária, iniciada em 1917. Mas que foram afetadas profundamente agora. Estão retirando todas essas conquistas. Quem não era comunista ou concordava com o campo socialista ou era contra, às custas disso, teve o seu benefício social, seu seguro-desemprego, na Europa, sua jornada de trabalho e uma série de coisas, alguns benefícios. Mas, hoje, sem o campo socialista, não é mais necessário, para a burguesia, manter esses direitos. A burguesia está tirando tudo dos trabalhadores.

A queda da União Soviética afetou a qualidade de vida dos trabalhadores de maneira geral. Mas há também pontos positivos. Eu diria que pontos contraditórios. E que pontos são esses? Àquele camarada ou jovem que nasceu com a escola assegurada e alguns meios conquistados, hoje a situação é diferente. Os trabalhadores perderam o que conquistaram anteriormente, e não porque são comunistas, mas porque são trabalhadores. E isso traz uma idéia de classe, uma idéia de que não basta não ser comunista para poder ter algumas benesses do capitalismo. Sem o Comunismo, eles não têm nada. Eles precisam avançar na sua consciência. O jovem de hoje, que chega para o mercado de trabalho, por exemplo, no Brasil, são cerca de 1,5 milhão de jovens que todo ano vão para o mercado de trabalho. E nós não temos mercado de trabalho para esses jovens.

Poderíamos começar falando do jornal e da filosofia. Eu queria citar uma passagem do Marx, ainda do jovem Marx: "A filosofia, enquanto uma gota de sangue, fizer bater-lhe o coração absolutamente livre e mestre do universo, não se cansará de lançar aos adversários o grito de Epicuro. O ímpio não é o que despreza os deuses da multidão, mas o que adere à idéia de que a multidão tem dos deuses. A filosofia não os esconde, faz sua profissão de fé de Prometeu: numa palavra odeia todos os deuses, opõe essa divisa a todos do céu e da terra que não reconhecem a consciência humana como divindade suprema, divindade que não suporta rivais, mas os tristes imbecis que se vangloriam, de na aparência a situação social da filosofia ter piorado, a filosofia responde como Prometeu a Hermes: “Servidor dos deuses, fica certo de que eu não trocaria nunca minha sorte miserável por tua servidão, porque prefiro mil vezes a prisão nesses rochedos do que ser de Zeus pai fiel lacaio e mensageiro". Prometeu é o primeiro santo, é o primeiro mártir do calendário filosófico.

Aos militantes do jornal, aos militantes que levam as mensagens ao nosso povo e à classe operária, quem faz esse trabalho executa uma prática que nós poderíamos assim, recuperando na história, até dentro do cenário da imaginação, o que foram os deuses greco-romanos da Mitologia. Prometeu era um deus que vivia no Olimpo. E os deuses tinham, para a mitologia, o fogo da vida eterna. Eles eram imortais, eram seres superiores, e embaixo estavam os mortais, ou seja, os seres que viviam as atrocidades de serem mortais, que não tinham os mesmos poderes. Um dia, esse deus se rebelou, pegou o fogo da vida eterna e entregou a um mortal, permitindo que esse mortal se tornasse também um deus. Quando isso aconteceu, os deuses se reuniram no Olimpo e puniram severamente Prometeu: condenaram-no à morte, acorrentando-o num rochedo para que, entre o mar e onde ele estava acorrentado, o sal, o sol, as aves o fossem consumindo, e ele sofresse com a mortalidade e entendesse porque os deuses tinham que continuar deuses e os mortais, mortais. Eles queriam também que Prometeu se arrependesse do que fez. Eles sempre assediavam Prometeu para que ele pudesse fazer, como Fernando Henrique: "diga que eu nunca falei isso", "nunca escrevi isso", ou como tantos revolucionários que foram à luta e foram presos pela ditadura, depois disseram: "não, eu não sou mais revolucionário, aquilo tudo foi besteira, esqueça esse passado da gente, agora a situação é outra, o nosso país mudou". Mas, vamos pensar, Prometeu, mesmo diante de todo assédio para ceder a sua visão de mundo, ao que pensava, respondia sempre que jamais recuaria. Então, Hermes, que era o deus da comunicação, faz a proposta de Zeus a Prometeu: "esquece o que falou, renega o que fez de ir ao povo, de ir aos mortais e lhe dar o fogo da imortalidade. Faça isso". Prometeu respondeu: "Fica certo que eu não trocaria nunca a minha sorte miserável por tua servidão, porque prefiro mil vezes a prisão nesse rochedo do que ser de Zeus pai fiel lacaio e mensageiro".

E isso está colocado para nós, que fazemos o trabalho com o INVERTA, que é o trabalho de comunicar ao povo, de levar ao povo a verdade e a consciência. Poderíamos fazer uma relação entre essa história da Mitologia e os revolucionários que tentam levar a consciência à classe operária, aos que se chamam simples mortais. Porque a classe operária sofre com o desemprego, com a miséria, com a violência, com a exploração do patrão, com a repressão, com a falta de consciência sobre as coisas que lhe cercam. Ela sofre de todas as formas. É a parte onde se cristaliza aquilo que chamamos de desumanidade. Se existe um processo humano, que é o processo social, aquele que constrói, segundo um objetivo, que é o bem-estar, o progresso social, as condições de vida melhores para todos; a classe operária é sempre a situação inversa desse processo de humanização, porque sobre ela recai toda a miséria do mundo, é sobre a classe operária, sobre os trabalhadores, o povo oprimido. E levar a essa classe a consciência do papel que ela exerce dentro da sociedade, pois justamente porque exerce esse papel de ser explorado, é que existe os exploradores, os que se beneficiam de tudo isso; é fazer o que Prometeu fez, chegar e revelar para o povo a verdadeira situação dele, e que um dia pode ser igual ao deus, é só mudar a situação, e ele pode fazer isso. Aqueles que trabalham, como nós, na luta, buscando levar à classe operária a consciência, levando a mensagem revolucionária ao povo, podemos nos considerar, de uma certa forma, enquadrados nesse mito. O momento que atravessamos é difícil porque quando há uma crise em toda a humanidade, quando há uma crise na teoria revolucionária, quando há uma crise em todos os revolucionários, nós passamos a exercer esse papel de Prometeu. Hoje, os revolucionários estamos acorrentados nos rochedos do capital, nos rochedos do neoliberalismo. E qual foi o nosso grande pecado? Foi ao longo do processo ter desenvolvido a ideia de que o povo pode se libertar desse sistema, de que o povo pode ser deus, de que o povo pode construir o seu destino, de que o povo pode se libertar da opressão, da exploração, da miséria. E por isso estamos acorrentados, recebendo todas as injúrias; todos os problemas recaem sobre os revolucionários logo no primeiro momento, é sobre nós que recai a pecha de monstros, de comedores de criancinhas, de pessoas que querem destruir o povo, que querem destruir a família, que querem destruir a sociedade harmônica, o bem-estar-social. E muitos de nós, ao contrário de Prometeu, capitulam. Mas hoje, mais do que nunca, cada de um nós tem que se firmar como Prometeu, por que se não for assim como podemos nos relacionar ao papel que Guevara representa nesse momento histórico para a América Latina e para o mundo? Se não é o papel do Prometeu Guevara, se não foi o homem que saiu do Olimpo e que baixou aos mortais, e com isso pagou com a própria vida, como Prometeu? Não é isso que comove cada um de nós, não é isso que nos faz levantar, não é esta a capacidade de ir ao sacrifício máximo, de ir ao máximo naquilo que a gente defende nas nossas idéias? Pagamos por tudo isso hoje. E hoje saudamos um homem que foi o exemplo de Prometeu: Guevara. No próximo ano estaremos saudando outro exemplo, porque será o centenário de Luís Carlos Prestes, que também, lutou nas mesmas condições de Guevara.

Para começarmos a entender a importância do jornal para a Revolução, precisamos saber primeiro por que surgem idéias revolucionárias e todo processo de tentativa de explicação de tudo isso. Os marxistas consideram, e acho que, em grande parte, isso é um consenso entre todos os revolucionários, que a formação das idéias revolucionárias resultam de um processo histórico. Marx, em "Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política", diz que "na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção, estas correspondem a uma determinada etapa do desenvolvimento das forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade. A base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica, política e ideológica, e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo geral de vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência". Em outro momento ele diz: "Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas, materiais, da sociedade, entram em contradição com as relações de produção existentes, ou o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, como as relações de propriedade, dentro das quais essas forças produtivas se desenvolviam, se movimentavam. De forma que do desenvolvimento das forças produtivas, essas relações de produção transformam-se em seus grilhões", ou seja, em suas cor-rentes, aquele que contém, "sobrevêm, então, uma época de revolução social". Marx está dizendo que na sociedade há forças produtivas e que essas forças produtivas são os meios de produção e a força de trabalho, inclusive os homens que pegam os meios de produção, e os transformam, ou seja, constroem os produtos necessários à sua subsistência através do seu trabalho. Eles se juntam à força produtiva, e isso se dá através de determinadas relações de produção que se formam em leis, por exemplo, o tempo da jornada do trabalho de oito horas, o salário que o trabalhador vai ganhar, o lucro que o capitalismo vai ter (isso no capitalismo, em outros modos de produção, há outros níveis de relações de produção).

As forças produtivas vão se desenvolvendo e chega a um determinado ponto que elas entram em contradição com as relações, porque essas relações ao invés de fazerem com que elas se desenvolvam, as fazem emperrar, não deixam que elas se desenvolvam. É como um pinto que tenta nascer dentro de um ovo. Ele vai se desenvolvendo até ter que romper a casca do ovo. Se ele não consegue romper a casca, ele morre. Para ele sobreviver, tem que negar o ovo, tem que negar as relações de produção.

Nesse momento de contradição, de ruptura, com a força de trabalho não está a classe operária, não estão os seres humanos, não estão as pessoas que pensam? A força de trabalho quer se libertar das amarras das relações de produção e começa a pensar como sair dessa situação. E o operário que fica desempregado e chega em casa, os filhos pedem comida e ele começa a imaginar como vai alimentá-los. Na cabeça desse homem começam a surgir as idéias: "isso está tudo errado, isso não é bem assim". Essa primeira idéia é mais instintiva, é de sobrevivência. Mas essas idéias vão se formando socialmente e ganham conteúdo, organização social, formando-se em teoria. Então surgem as teorias revolucionárias. Hoje, nesse país, quantas idéias estão surgindo, quantos homens oprimidos estão pensando em como se libertar dessa situação, como sair da miséria do desemprego? Os jovens que estão pensando onde irão trabalhar amanhã, o camponês oprimido está perguntando: "como eu vou resolver o meu problema, como eu vou dar comida aos meus filhos?". Ao longo do processo histórico assim foram surgindo as idéias revolucionárias. E elas por serem idéias, não, correspondem muitas vezes à base real, material e concreta. Muitas vezes essas idéias são deformadas, porque o conjunto de idéias num homem chama-se ideologia. Alguns filósofos procuraram trabalhar profundamente isso, falam que idéias são, na verdade, signos e todo signo é um símbolo. Eu tenho idéia, por exemplo, de comer, então eu penso num prato de comida, formo a idéia de um rosbife, por exemplo, e assim vou formando as idéias de todos as coisas. As idéias sempre correspondem a uma base concreta, material, mas quando ela se forma na nossa cabeça (e o homem tem uma coisa diferente, talvez mais parecido com um espelho, que se chama globo ocular, porque o homem começa a pensar a partir dos seus sentidos, através deles toma conhecimento do mundo exterior e vai formando isso na cabeça, e esse globo ocular forma uma imagem invertida da realidade, como no espelho, ele sempre dá o inverso da realidade, e não a realidade exata como ela é) ela é representada como se fosse uma nuvem, uma certa distorção daquilo que é a realidade, e só através do exercício intelectual que o homem faz é que ele consegue operacionalizar para que essa idéia que se forma no seu cérebro corresponda a uma realidade. Essas questões implicam que todo signo está ligado à sociedade. O homem para se relacionar precisou falar, para falar teve que constituir símbolos de comunicação. Então, para formar símbolos de comunicação em todos os locais, ele foi usando códigos de identificação, que são os seus signos. Isso levou a um sistema, que a gente chama de semiótica. E um sistema de código convencionado numa determinada comunidade que faz com que os homens se entendam: a linguagem, a forma de falar, a forma de se comunicar.

Cada idéia é um signo, cada signo tem um tema, porque ela está dentro de um contexto, representa um código, tem uma semiótica, e portanto, esta idéia corresponde a uma base material concreta. Se ela é resultado material não é apenas conseqüência, mas também pode ser causa. Assim como a idéia resulta daquilo que existe da realidade, a linguagem também, se ela está muito próxima da realidade, ela se torna um meio capaz de desenvolver uma transformação nas coisas. E por que a idéia? Não é a idéia no sentido idealista e filosófico, mas é a idéia que se transforma em prática, em ação. Isto porque o homem, diferente do João-de-barro, não constrói uma casa apenas por instinto, antes de construir qualquer coisa, ele projeta na sua cabeça aquilo que quer construir.

O signo se forma porque podemos imaginar. Por exemplo, todo mundo sabe que a foice e o martelo formam um símbolo que representa um lado objetivo, uma coisa, vamos dizer assim, denotativa, aquilo que representa realmente. A foice representa um instrumento de trabalho no campo. O martelo representa um instrumento de trabalho na fábrica. Mas, no entanto, quando você cruza a foice e o martelo ele tem outro significado. É o símbolo da classe operária, é o símbolo da união do camponês e do operário na luta revolucionária, e é o símbolo do comunismo. Foi isso que ficou convencionado. Criou-se um sistema. Então, todo signo tem um tema e está dentro de um contexto, porque dentro daquele contexto, ele tem um significado. Não é uma coisa individual, é uma coisa social, é uma forma de comunicar, é uma forma ideológica pela qual os homens vão se comunicando, e é através dessas formas, desses símbolos que o homem vai adquirindo a consciência das contradições materiais em que vive. Um homem desempregado, com fome, pensa o resultado da sua necessidade, quer matar a sua fome. Para isso, ele tem que ter primeiro a ideia de como mata essa fome. Como é que ele vai matar essa fome? Ele mata a fome se alimentando. Como ele faz para comer? Então ele vai pensando, vai tomando conhecimento das suas contradições materiais pelas formas ideológicas. O Marx vai dizer no Prefácio, que a superestrutura da sociedade corresponde a formas ideológicas, a formas de conceber essas contradições materiais.

Há algumas afirmações do próprio Marx, que seriam importantes, de como o jornal vai exercer esse papel. O primeiro fato é que o homem para se desenvolver através do trabalho, para construir os meios necessários à sua subsistência, necessitou se comunicar. E a comunicação teve um papel tão importante que Marx citará a Revolução Industrial em todo o processo. Quando foi se formando o mercado, as comunicações exerceram um papel importante. Isso numa fase de globalização do capital, que foi a fase em que Marx escreveu o
Manifesto, logo após a Revolução Industrial, em 1848. Mas ele captou o início do processo de transformação do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista, e viu a comunicação como um fato importantíssimo. O capitalismo expandiu-se utilizando-se das comunicações.

A imprensa passou a exercer um papel destacado, porque passou a ocupar o papel de indústria. Num texto em que Marx escreve sobre a liberdade de imprensa, ele faz a seguinte afirmação:"a primeira liberdade para a imprensa consiste em não ser uma indústria. Ele diz isso, porque o capitalismo transformou o homem, a força de trabalho em mercadoria, o produto da força de trabalho em mercadoria, passou a ser um mundo de relações de mercadorias, um mundo de coisas. O jornal, que era produzido dentro desse mundo como indústria, também se tornava uma mercadoria. Para ser uma mercadoria tem que sofrer a lei do mercado. Como se pode ter liberdade dentro do mercado? Se for uma indústria, se necessitar do lucro compra-se o jornalista. O jornalista vai escrever por um salário, ele não vai escrever a verdade para o povo. Ele será o sofista. É o sofismo que vai vigorar dentro da sociedade, dentro do jornalismo. Então, a liberdade de imprensa tem esse problema.

E nós, como estamos nisso? As idéias exercem um papel revolucionário. Quem definiu isso foi Marx também. Ele disse: "A crítica da filosofia especulativa do direito se não perde em si mesma, mas induz a tarefas que só podem ser resolvidas por um único meio, a atividade prática". Ele considera a filosofia uma atividade prática, quer dizer, filosofia não é um ato de pensar, é um ato de fazer (Lênin depois vai escrever um livro chamado "Que fazer?"). Mas é um ato de fazer, é um ato de praxe, é um ato de fazer as coisas. Aí ele disse: "Sem dúvida, a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas. A força material só será derrubada pela força material, mas a teoria em si torna-se também uma força material, quando se apodera das massas." Aí, ele está dizendo que se a teoria chega às massas, se apodera das massas, ela se torna uma força material, porque deixa de ser teoria e passa a ser ação das massas. Aí ele diz: "a teoria é capaz de se apossar das massas ao demonstrar-se ad-hominem", ou seja, ao se demonstrar massa, ao se demonstrar homem, ao se demonstrar de acesso ao homem, como idéia do homem, como produto do homem, como coisa material e não apenas idéia, mas coisas que correspondam ao homem. A teoria tem que ser radical. Ser radical é agarrar-se às coisas pela raiz, ir à raiz do problema para resolvê-lo. A raiz é o próprio homem, quer dizer, temos que nos agarrar ao próprio homem para resolver o problema. A teoria tem que ser capaz de agarrar-se ao próprio homem.

Temos o exemplo mais eficaz do papel do jornal no processo revolucionário a partir da Revolução Russa, que é o exemplo clássico, o papel que exerceu o Iskra, o papel configurado ao jornal pelo próprio Lênin, que vai transcender o papel dado pelo Marx ao jornal, uma das coisas fundamentais que o Marx deixa como indicação é que na luta contra a situação, a crítica não é a paixão da cabeça". Então, quer dizer, o jornal, ou seja, as idéias, a luta das idéias, porque é o que a gente vai entender das idéias. "A crítica não é a paixão da cabeça, mas a cabeça da paixão". Quer dizer, a crítica é um instrumento racional, a crítica é teoria, a crítica não é apenas um bate boca, não é só sentimento - tem que ter o sentimento, tem que ter o coração -, mas a crítica é a cabeça da paixão, ou seja, daquilo que você defende com entusiasmo e apaixonadamente. Diz o Marx: "Não é uma lanceta anatômica, mas uma arma. O seu alvo é o inimigo que ela procura. Não refutar, mas destruir. E o que o espírito de tal situação já foi refutado. Não constitui em si, ou por si, um objeto digno do nosso pensamento. E uma existência desprezível, como desprezada. A crítica já não necessita de uma ulterior elucidação do seu objeto, porque já o entende. A crítica não é o fim em si mesma, mas apenas o meio. A indignação é o seu modo essencial". A crítica tem um modo.

O modo essencial da crítica tem que ser através da indignação. Se não se consegue fazer uma crítica e não consegue estabelecer ou transmitir a indignação que tem que se reportar, ela perde a sua essência, o seu modo essencial de sentimento. E a denúncia é a sua principal tarefa.

 

Marx dá duas ideias práticas do que devem ser as idéias revolucionárias enquanto crítica. A primeira é que ela tem que ter a forma de expressar a indignação; em segundo lugar, a denúncia, ela visa sempre não refutar o inimigo, mas destruí-lo. As idéias são capazes de transmitir indignação, sentimento, e são capazes de fazer tudo isso através da denúncia. Outra coisa que o Marx disse é que o jornal, as idéias, quando penetram nas massas se torna força material, é uma arma. E por último, ele mesmo quando faz a crítica à liberdade de imprensa, dá os elementos que vão fornecer ao Lênin as idéias básicas sobre o jornal: "A primeira liberdade para a imprensa consiste em não ser uma indústria".

Lênin elabora seu processo de pensamento com base no processo vivido das formas de organização e de luta do proletariado que vinham da Primeira e da Segunda Internacional, basicamente, a deterioração dessas formas de organização, a era dos partidos sociais-democratas que estavam em decadência. A forma de organização, para Lênin, passa a ser o tema fundamental; como fazer uma organização que seja capaz de derrubar o capitalismo, como construir essa organização, como construir essa forma?

Marx dá os elementos básicos de uma tática que servirá para que Lênin esboce o seu pensamento a cerca da organização, e no qual o jornal passa a ter o papel fundamental: ele é a base não só para difundir as idéias revolucionárias, mas da própria organização revolucionária.

 

A organização operária. Lênin vai conceber que se a classe operária se apodera das idéias revolucionárias, ela em si já tem um conteúdo operário; segundo, a forma como a classe operária se organiza e os revolucionários se organizam pode ser um forma operária. O jornal é uma forma de organizar uma organização operária.


Aluísio Beviláqua do Conselho Editorial publicada no Jornal INVERTA n°131. Extraído da Palestra sobre o tema, realizada no dia 18 de outubro de 1997, no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro.